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Desafios da entrega da Justiça na era da pós-verdade
Imersos numa realidade global pós-pandêmica, ainda, sobre o espectro sinestésico dos horrores das perdas intestinas, das incertezas e, sobretudo, da nítida e densa ideia de finitude da humanidade, terminamos por nos aproximarmos, por epifania ou mesmo por reflexo instintivo, do laço mais estreito com aquilo que nos reforça enquanto seres humanos, revigorando o instinto, os ímpetos, emoções e condicionamentos mais vívidos ao nosso status, tornando-nos mais reativos, como se em reforço da nossa condição mesma e da pujança de termos resistido ao mais recente flagelo do mundo.
Contudo, por estarmos vivendo sob a era da pós-humanidade, ou transumanidade, o que se vislumbra pela própria velocidade dos avanços no desenvolvimento das salvadoras vacinas contra a COVID-19, pelo desenvolvimento de robôs e máquinas inteligentes, com sua cada vez mais acurada inteligência artificial, aplicada nos mais variados setores e faculdades humanas, sofremos, sobretudo, os impactos comportamentais irreversíveis, mesmo que de modo difuso, seja na linguagem, na comunicação o que converge irremediavelmente no nosso censo de autodeterminação enquanto indivíduos.
Em desdobramento dessa convergência evolutiva tecnológica, desenvolvimento da ciência de dados e das engenharias de telecomunicações, consolidou-se a era dos dados, tendo sido alçada tal condição em escala global através do advento da internet na palma da mão, por meio dos dispositivos móveis, ao ponto em que a transmissão, o controle, o acesso e o tratamento de dados se tornou um manancial imensurável de poder econômico, político e ideológico como nunca visto, capaz de fazer nascer fortunas, soerguer líderes, inclusive políticos e direcionar opiniões, dada a capilaridade e assertividade do exame informacional e da forma invulgar com que as ferramentas inteligentes de aplicação, sobretudo, de redes sociais, serviços de mensageria e streaming se inseriram intrinsecamente na realidade cotidiana dos seres humanos.
Todo este manancial informacional acabou por multidimensionar os aspectos intrínsecos dos dados, tornando-os relevantes sob diversos enfoques, trazendo maior relevância aos vieses interpretativos, em detrimento dos aspectos mais intrínsecos, relativizando o contexto de preponderância valorativa sobre a ideia de verdade, fortalecendo o discurso em seu detrimento, consubstanciando a imersão temporal no que se considera a era da pós-verdade1 , onde a mensagem em si, muitas vezes desvinculada da realidade ganha contornos significância e impacto social mais pujante.
Muito se fala sobre disseminação de conteúdo desinformativo e suas graves consequências para o Estado Democrático de Direito, sobretudo, para o enfraquecimento das suas instituições democráticas, notadamente, âmbito judicial a própria autoridade e legitimidade das decisões emanadas pelas Cortes de Justiça.
No que pertine ao direito tributário, os impactos são superlativados, sobretudo, por força da dimensão ampla do espectro do interesse, seja no âmbito subjetivo, seja em relação ao impacto econômico, diante da dimensão quase sempre nacional do alcance fático e jurídico das matérias envolvidas.
Neste contexto, observa-se um movimento de esforço de combate de conteúdo desinformativo por parte das próprias instituições judiciárias, o que já se evidencia, com grande destaque por parte das Cortes superiores, sobretudo, pelo STF, por meio dos seus veículos informativos institucionais, consolidando uma atuação proativa de salvaguarda, o que destoa da tradicional reserva de pronunciamento intra processual.
Esta nova postura, pode ser visualizada com clareza em relação ao recente ponto de grande agitação por parte da comunidade jurídica, inclusive, tributária.
À guisa de exemplo, destaco o modo de atuação institucional da Corte Suprema, diante do impacto midiático deflagrado com o advento da fixação das teses de repercussão geral relacionadas aos Temas 881 e 885 do STF, que encerou a discussão jurídica acerca da análise quanto aos limites da coisa julgada em matéria Tributária, seja em controle difuso, individualizado, inclusive, relacionado às obrigações tributárias de trato continuado, seja em controle concentrado, com eficácia geral e vinculativa indeterminada, notadamente diante de julgamento que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental por decisão transitada em julgado.
A partir dos julgamentos dos casos líderes RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881) ocorridos em 08/02/2023, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, estabeleceu a seguinte tese: "1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo".
Em tempos de desinformação, observa-se grande movimento de fortalecimento e disseminação da ideia de suposta criação de insegurança jurídica por parte do STF, pelo desfecho jurisprudencial vinculativo em questão, inclusive, fazendo-se associar de modo anacrônico e descontextualizado a frase dita pelo escritor e jornalista Zuenir Ventura 2, erroneamente atribuída a autoria do ex-ministro Pedro Malan, de que “no Brasil até o passado é incerto”.
Contudo, o exame dos fundamentos da tese converge a entendimento diverso a conclusão interpretativa difundida, sendo relevante que se atente para a mensagem que dela se extrai.
Observa-se que a vulneração da coisa julgada se deu de forma restritiva direcionados aos tributos recolhidos de forma continuada, cuja cobrança seja renovada periodicamente e com eficácia prospectiva, a partir da mudança do entendimento pela constitucionalidade da tributação, reconhecida em sede de controle concentrado.
Com efeito, o próprio STF, por seus veículos de comunicação oficiais, entendeu relevante explicitar por meio de linguagem simples, na forma de notícia, com manejo de técnicas de linguagem direta, com emprego de perguntas e respostas o STF, esclarece elementos nucleares sobre o conteúdo decidido, destacando os principais pontos sensíveis do posicionamento verberado pela corte 3, introduzindo-a por meio do título e subtítulo nos termos seguinte:
“Entenda a decisão sobre “coisa julgada” na área tributária tomada pelo STF Plenário retirou privilégio de contribuintes que não pagavam o tributo baseados em decisões que, equivocadamente, consideraram inconstitucional a cobrança da CSLL. Desde 2007, quando STF validou tributo, todos os contribuintes devem pagá-lo, não podendo se falar em retroatividade.”
(..)
Sobre quais tipos de tributos o STF se pronunciou?
A decisão que estipulou a perda de efeitos de uma sentença definitiva (transitada em julgado, sem possibilidade de recurso), caso o Supremo tome uma decisão contrária, foi unânime e vale apenas para tributos recolhidos de forma continuada, ou seja, aqueles cuja cobrança se renova periodicamente, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Nos casos dos tributos cobrados uma vez só, como, por exemplo, o ITBI, que incide sobre a venda de um determinado imóvel, se houver uma decisão transitada em julgado, como a relação é única, esse direito permanece, mesmo após decisão contrária do STF sobre o tema.
Conforme o ministro Barroso, o STF entendeu que no caso das relações tributárias continuadas uma decisão anterior que considere determinado tributo inconstitucional perde eficácia após decisão do STF reconhecendo sua validade. Isso faz com que a retomada do pagamento seja obrigatória, mesmo para os contribuintes que já tinham decisões definitivas de outras instâncias desobrigando o recolhimento. Mas ele deixou claro: não se cobra para trás. Somente para frente, após a decisão do STF de 2007.
Por que o STF reverteu nesses casos a “coisa julgada”?
O ministro salientou que a coisa julgada – o direito adquirido a partir de uma decisão judicial sem possibilidade de recursos – vale enquanto permanecerem as mesmas condições fáticas e jurídicas. No entanto, quando a Suprema Corte decide que um tributo é devido, a partir daquele momento, todos têm que pagar.
Barroso destacou a importância de que um determinado tributo incida sobre todos os atores do mercado, caso contrário, quem tiver obtido uma coisa julgada antiga tem uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes, em decorrência da desigualdade tributária.
Qual foi o caso concreto decidido?
Em 1992, algumas empresas conseguiram na Justiça o direito de não pagar a CSLL, e o caso transitou em julgado em outra instância. Porém, em 2007, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 15, o STF afirmou que a contribuição era constitucional e deveria ser paga. O Supremo se pronunciou no sentido de que a partir daquela decisão, todos deveriam ter passado a pagar o tributo.
Haverá prejuízo às empresas envolvidas?
Conforme o ministro Barroso, desde que o STF tomou a decisão em 2007, nenhuma empresa pode dizer que foi pega de surpresa. Para ele, o entendimento do STF não cria insegurança jurídica, pois quem deixou de pagar depois que a Corte validou a cobrança e não provisionou recursos para esta finalidade fez uma “aposta”.
“A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que era devido, continuar a não pagar e a não provisionar. (...) Se você for num cassino e fizer uma aposta você está num quadro de insegurança jurídica e pode ganhar ou perder. De modo que a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”, explicou.
O entendimento valerá para todos os processos?
A decisão foi tomada em sede de repercussão geral. Portanto, a decisão valerá para todos os casos semelhantes que corram em outras instâncias.
Nos casos de outros tributos que venham a ser considerados constitucionais, a partir de quando as empresas terão que pagar os valores?
Pelo entendimento dos ministros, se o tributo for imposto e considerado constitucional, ele só será cobrado no ano seguinte. Se for contribuição, três meses depois da decisão.
O ministro Barroso esclareceu ainda que no caso da CSLL, por ter uma inequívoca decisão anterior do Supremo afirmando que o tributo era devido, a Corte entendeu que não deveria fazer a chamada modulação e determinou o recolhimento dos valores passados, respeitado o prazo de prescrição. Caso haja outro tributo, em situação fática ou jurídica distinta, o STF poderá decidir se haverá ou não modulação.(..)
Importante destacar o louvável esforço do Supremo Tribunal para atingir de modo claro o objetivo de entrega do que vem a ser a feição mais externa efetivação da Justiça, sob a sua acepção mais atual e abrangente, entendida como direito constitucional fundamental, sobretudo, para promoção da justiça social e da cidadania plena.
A divulgação de notícias pelo STF em relação a precedentes tributários é fundamental para a promoção da transparência e da previsibilidade no sistema tributário brasileiro. Com o crescente volume de litígios tributários no país, os precedentes do STF assumem um papel cada vez mais relevante na definição de regras e parâmetros para a atuação dos agentes econômicos e da própria administração pública.
Tal postura proativa, tal qual se evidenciou no caso em destaque promove importante papel de ajudar a esclarecer a população sobre as decisões e os julgamentos realizados pelo tribunal, divulgando informações precisas e confiáveis sobre as posições adotadas em relação a temas tributários relevantes. Isso pode contribuir para a promoção da cultura jurídica e para a conscientização da população e sobretudo aos contribuintes sobre as regras e parâmetros adotados pelo STF em relação a esses temas.
Além disso, a divulgação de notícias pelo STF sobre precedentes tributários pode contribuir para a previsibilidade e a segurança jurídica no sistema tributário brasileiro, ao permitir que os agentes econômicos e a própria administração pública possam orientar suas atividades de acordo com as regras e parâmetros definidos pelo tribunal. Isso pode reduzir a incerteza jurídica e a litigiosidade no âmbito tributário, facilitando a gestão dos negócios e das finanças das empresas e contribuindo para a eficiência econômica do país.
Por fim, é importante destacar que tal atividade informativa deve ser feita de forma responsável e ética, respeitando os princípios da imparcialidade e da neutralidade. As notícias divulgadas pelo tribunal devem ser baseadas em informações precisas e confiáveis, evitando qualquer tipo de sensacionalismo ou parcialidade. Além disso, é importante que a divulgação de notícias seja feita de forma transparente e acessível, permitindo que a população possa acompanhar e entender as posições adotadas pelo STF em relação a temas tributários de forma clara e objetiva.
Eis a entrega plena da Justiça que se apresentas em contornos mais amplos e multifacetados, a conta de resguardar e reafirmar o fortalecimento das instituições jurídicas em soturnos tempos de desinformação.
1 A Academia Brasileira de Letras enumera duas principais definições à nova palavra Pós-verdade: s.f 1. Informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou algo real, caracterizada pelo forte apelo à emoção, e que, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais. s.2g.2. Contexto em que asserções, informações ou notícias verossímeis, caracterizadas pelo forte apelo à emoção, e baseadas em crenças pessoais, ganham destaque, sobretudo social e político, como se fossem fatos comprovados ou a verdade objetiva. ( https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/pos-verdade, acessada em 23/01/2023)
2 A frase "No Brasil, até o passado é incerto" foi dita pelo escritor e jornalista Zuenir Ventura em 1992, durante uma entrevista concedida à Revista Veja. A frase se tornou bastante conhecida e é frequentemente citada em discussões sobre a história e a cultura brasileira, em referência à dificuldade de se estabelecer uma narrativa histórica confiável e unânime no país, marcado por muitas contradições e disputas políticas e sociais. A frase expressa a ideia de que, mesmo os acontecimentos históricos que já ocorreram no Brasil ainda são motivo de debate e questionamento, já que muitas vezes são vistos sob perspectivas diferentes e influenciados por interesses políticos e ideológicos diversos.
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