Permitir Cookies

Este site usa cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site.

Imagem

Judicialização “putativa” contra os efeitos da modulação da eficácia das decisões vinculativas em matéria tributária. Paradoxo da segurança jurídica?

Em meio a uma atmosfera de mudanças estruturais no arcabouço jurídico fiscal e tributário, em decorrência, sobretudo, do regime fiscal sustentável, introduzido pela Lei Complementar n.º 200/2023, bem como da alteração do Sistema Tributário Nacional, nos termos do conjunto normativo introduzido por meio da Emenda Constitucional n.º 132 de 20 de dezembro de 2023, vislumbra-se um horizonte próximo de grandes discussões judiciais diretamente relacionadas à fricção de direitos atinentes à esfera de bens jurídicos tanto dos entes federativos tributantes, quanto dos seus respectivos contribuintes.

Esta conclusão não chega a surpreender, de fato, tanto mais considerado o fenômeno da cultura da judicialização extrema no Estado brasileiro.

Tal circunstância foi oficialmente reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça1, que reportou, em seu Relatório Justiça em Números 2023(ano-base 2022), o ajuizamento de 31,5 milhões de ações, no ano de 2022, o que representou o incremento de 10% em relação ao ano anterior, consolidando a posição do Brasil na liderança do ranking de países com maior número de processos no mundo, contabilizando no ano de referência um total de 81,4 milhões de processos judiciais em andamento.

Ressalte-se que no dizer do Presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Min. Luiz Roberto Barroso2, o Poder Judiciário brasileiro, embora o mais dispendioso do mundo, consoante relatório produzido pelo Tesouro Nacional3, custando, em 2021, 1,6% do produto interno bruto nacional, é o mais produtivo do planeta, julgando definitivamente mais de 30 milhões de processos por ano, fruto de uma melhor otimização dos recursos, sobretudo ferramental humano, adoção de tecnologia de gestão de dados e de inteligência artificial, além de alinhamento normativo capaz de tornar mais ágil e eficiente a administração da Justiça.

Contudo, forçoso se concluir que, paradoxalmente, o Poder Judiciário, sobretudo por suas cortes superiores, defensor ativo do incremento da eficiência, inclusive por meio da redução da judicialização, em certas circunstâncias, tem sido responsável por criar um ambiente justamente propício para o incremento da litigiosidade, fomentando, indiretamente, a inusitada ideia da judicialização para se proteger da própria justiça.

Percebe-se, por parte dos advogados atuantes na área tributária o manejo estratégico de demanda judicial em matéria tributária, antecedente, concomitante ou iminente a adoção pelo STF e STJ de técnica de julgamento que atinge situações jurídicas de grande impacto subjetivo, para assegurar o direito à repetição de indébito que se almeja ver reconhecido.

Isto diante do temor de que uma potencial modulação dos efeitos de decisão declaratória de inconstitucionalidade, consolidação de orientação jurisprudencial em sede de repercussão geral, ou mesmo julgamento de recurso repetitivo, imponha, para aqueles que não ingressaram na justiça antes do julgamento da questão, o revés do esvaziamento do direito patrimonial envolvido.

A dinâmica de julgamento das matérias tributárias nas cortes brasileiras, usualmente, por sua natureza, de interesse e impacto nacional, aliada a recorrente adoção das técnicas de superação progressiva de precedentes judiciais e da modulação de eficácia de decisões vinculativas, notadamente no que diz respeito ao reconhecimento ou declaração de direitos com impacto patrimonial fiscal, termina por impulsionar o gatilho da adoção da estratégia jurídica da judicialização para proteção do contribuinte contra tais efeitos decisórios.

Não raro se observa, nos casos de reconhecimento jurídico de direito de impacto patrimonial tributário, o manejo da técnica de modulação da eficácia da decisão que o declara, o que normalmente implica em cerceamento do regular efeito retroativo, para restringir o impacto financeiro, a partir de dado momento, implicando em minoração da vantagem perseguida por parte daquele que se enquadram na condição fática e jurídica reconhecidamente analisada.

A título de exemplo, destaco a decisão do STF que se dirige a esclarecer o alcance de uma outra decisão vinculativa, sobre exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS /Cofins, nos termos decididos no Recurso Extraordinário n.º 574706 (Tema 69).

Por meio da decisão assentada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 14524214 Consolidou-se, na tese firmada sob o Tema 1279 de repercussão geral, o entendimento de que não cabe pedido de devolução de valores ou de compensação tributária referente à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Confins depois de 15/3/2017 se o fato gerador do tributo ocorreu antes dessa data.

“Em vista da modulação de efeitos no RE 574.706/PR, não se viabiliza o pedido de repetição do indébito ou de compensação do tributo declarado inconstitucional, se o fato gerador do tributo ocorreu antes do marco temporal fixado pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as ações judiciais e os procedimentos administrativos protocolados até 15.3.2017.”

Que se diga sobre a necessidade e relevância do manejo adequado e oportuno da técnica de modulação de efeitos, inserida com propriedade e acerto no art. 27 da Lei 9868/99 99 e no art. 927, §3º do CPC em vigor.

O que se ressalta, sobretudo, é a necessidade de utilização considerando a sua excepcionalidade, diante da premissa jurídica de que, originariamente, a eficácia das decisões de natureza declaratória atinge fatos jurídicos do passado, com a necessária recomposição de impactos financeiros, observados limites jurídicos, por exemplo, decorrentes da prescrição e decadência.

Impõe-se, portanto, a observância da cautela, parcimônia e da estreita vinculação dos fundamentos jurídicos autorizadores, com constante e redobrado cuidado para não incorrer no pecado de se deixar influenciar pelos sedutores argumentos consequêncialistas5 e sem efetivo lastro no interesse público relevante, mas nos comezinhos e muita vez previsíveis efeitos gerados em desfavor do fisco, sob pena de insegurança jurídica e verdadeira judicialização “putativa”6 pelo contribuinte, quando este se vê compelido a litigar em juízo para defender seu interesses e bens jurídicos contra os influxos da própria Justiça.


1https://www.cnj.jus.br/com-315-milhoes-de-casos-novos-poder-judiciario-registra-recorde-em-2022/#:~:text=Principal%20fonte%20das%20estat%C3%ADsticas%20oficiais,um%20ano%20de%20alta%20produtividade.

2https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/02/quanto-vale-o-judiciario.shtml?pwgt=k8t1iilmntz0kl79811mxpelwn42a2ucc057g3g0q1dp54aq&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift

3https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/justica-do-brasil-gasta-16-do-pib-e-e-a-mais-cara-do-mundo/

4https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=516801&ori=1#:~:text=A%20data%20diz%20respeito%20ao,do%20PIS%20e%20da%20Cofins.

5Faria, L. A. G. de, & González, T. H. (2023). A MODULAÇÃO DE EFEITOS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E OS SEUS PARÂMETROS: A SEGURANÇA JURÍDICA E O EXCEPCIONAL INTERESSE SOCIAL / THE PROSPECTIVE EFFECTS IN TAX MATTERS AND ITS PARAMETERS: LEGAL CERTAINTY AND EXCEPTIONAL SOCIAL INTEREST. Revista Da Faculdade De Direito Da UERJ - RFD, (42), 1–25. https://doi.org/10.12957/rfd.2023.70564

6Aqui faço um trocadilho com a expressão técnico jurídica de direito penal afim às discriminantes putativas, como se prevê no art. 20 e seguintes do Código Penal, alusiva a adoção de uma conduta implementada por um agente a partir de uma suposição acerca de uma situação ou circunstância que se de fato existisse tornaria a sua ação legítima.

Sobre o Autor:

Imagem

Dr. Neilto Barreto Filho

Assessor de desembargador no TJBA, advogado licenciado, pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET- Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduando em Direito Digital, aplicadono Âmbito Judicial, pela ESMA-PB graduado em Direito pela UFBA.

  • Equipe Especializadas

    Quisque tellus risus, adipisci viverra bibendum urna.

  • Atendimento Eficiente

    Quisque tellus risus, adipisci viverra bibendum urna.

  • Comunicação Objetiva

    Quisque tellus risus, adipisci viverra bibendum urna.

  • Responsabilidade Social

    Quisque tellus risus, adipisci viverra bibendum urna.